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sábado, janeiro 30

Estava tudo muito desgastado ali. A tinta das paredes já havia descascado, haviam teias de aranha pelos cantos e o café muito amargo.
Algo tinha perdido o sentido, a busca tinha terminado, tudo entre eles ficou finalmente perfeito e foi vivido até a última gota. Era hora de mudar, voltar a buscar. Era hora de encher o cantil.
Ambos eram muito sensíveis, mas ela foi a primeira a perceber. Foi então alerta-lo, sabia que ele teria que aceitar, mais cedo ou mais tarde, era uma decisão para dois, nada de metades. 
Pôs-se inteira no olhar mais verdadeiro, e foi contar-lhe as novas, dizer-lhe que estavam cumpridos.
No início ele discordou, mas analizou os fatos e acabou por concordar que estavam no final, as flores no jardim estavam mesmo murchando.
Despediram-se então, e é claro, não foi fácil, estas coisas pedem algumas lágrimas, mas sabiam que prorrogações seriam tentativas préviamente frustradas de tentar manter as mãos dadas enquanto a estrada pela qual caminhavam juntos bifurcava-se espontâneamente.
Desentrelaçaram-se as mãos. Seguiram sós novamente. 

segunda-feira, janeiro 25

O julgamento

Eles sabiam o que estavam fazendo. Dentro do seu intimo, todos eles sabiam o que estavam fazendo. Estavam decidindo cometer uma injustiça, estavam querendo julgar.
Mesmo que pelo decorrer de toda a história daquele laço forte e estreitamente amarrado de amizade que os cercavam eles tivessem pregado a liberdade e condenado a repressão estavam todos decidindo que era melhor julgar impiedosamente e talvez punir.
Um deles, já teve uma experiência, julgou e condenou, era mais seguro. Condenando aqueles com quem já compartilhou momentos decisivos da sua história era mais seguro, o protegia não só dos olhares alheios, o protegia também de si mesmo. Estava fazendo de novo, com mais tato desta vez, usando argumentos mais rápidos e eficases. 
Uma delas, fazia a mesma coisa que fez o primeiro, julgava e desejava, quem sabe, condenar por medo de si mesma. Mantia a sete chaves um segredo que sabia que já fora revelado e fingia ter esquecido para poder usar severidade e tratar implacavelmente do caso a fim de garantir-se afastada do seu "segredo". 
A outra hesitava, tinha medo de condená-la, pois sempre, sempre gritava a todos e a si mesma que todos tinham o direito de serem aquilo que desejavam ser e que não cabia a ninguém julgar. Mas ela própria tinha medo do julgamento, sabia que se eles mesmos não o fizessem junto com o resto do mundo, o resto do mundo se voltaria contra eles também, e ela tinha medo porque precisava ter consigo o resto do mundo, tinha medo da solidão. 
Uma terceira andava na corda bamba, assim como a segunda tinha medo do resto do mundo, mas não era tão inescrupulosa quanto a segunda, sentia muito, só ela poderia ajudar a segunda e elas ajudarem a todos. 
E então a culpada, que sentia-se livre e inocente como nunca. Livre porque finalmente havia libertado e gritado sua verdade aos quatro cantos de seu mundo, livre porque agora não precisaria mais fingir nada a ninguém, seria simplesmente o que era. Inocente porque aquilo afinal, não era crime algum, não feria ninguém, ou melhor dizendo, feria sim, feria aqueles que sentem-se ofendidos por haver alguém que vive a sua verdade tão descaradamente os deixando com água na boca. 

sexta-feira, janeiro 22

Enquanto olhava a paisagem morta da grande cidade Tereza chorava, era domingo e estava vazia e sozinha em seu apartamento.
Não tinha nada a fazer, não tinha companhia, não tinha, tudo lhe faltava.
Só tinha uma coisa a se agarrar; a saudade. 
Então era isso que Tereza fazia nos dias em que não tinha trabalho nenhum, agarrava-se com a saudade de um amor que a deixou, na saudade da família que sutilmente se afastou e a saudade dos amigos, que com tanta ausência de esqueceram dela. 
Tinha se descuidado, sabia disso, buscou tão intensamente o poder e o controle que sempre quis, que esqueceu-se que nada daquilo faria sentido se não tivesse com quem compartilhar. 
Ela conseguiu, conseguiu tudo o que queria, mas agora estava morrendo junto com a paisagem da grande cidade, morrendo como as flores que ganhou no último dia dos namorados que tinha alguém com quem compartilhar, as flores morreram por falta de água, o dia dos namorados a muito tempo secou. 
Chegou exatamente onde sonhou chegar, mas esquecia alguns aniversários ás vezes e mandava a secretária dizer que estava em reunião. Tantas e tantas reuniões em mesas compridas e retângulares cheias de pessoas sérias que nada lembravam as reuniões de Natal na casa dos pais, cheias de alegria e aconchego, mas agora eram só os rostos sérios e os Natais, bem, as companhias aéreas esgotam muito cedo as passagens nesta época. 
E para ficar onde estava, sempre levava trabalho para casa, não saia mais com aqueles que a conheciam tão bem e gostavam dela apesar de tudo, nunca mais as luzes da cidade e os bares de final de semana, trabalho... Trabalho. 
Então no domingo Tereza acordou, encostou-se na janela do apartamento e chorou por algum tempo.
Tomou um banho, colocou uma roupa qualquer e decidiu ir respirar um pouco de ar, ainda que sujo, da cidade. Caminhou por algumas ruas distraidamente reparando no movimento das pessoas e esqueceu, como era de costume esquecer, de reparar no movimento dos carros, ao atravessar a rua, naquele domingo vazio, a esquecida tereza não fez muita questão de agarrar-se a vida como agarrou-se naquela manhã à saudade. Entregou-se.

quarta-feira, janeiro 20

Ela deixou os chinelos na areia,

saiu correndo em direção ao mar. Não quis entrar, ficou apenas com os pés na água, parou pra olhar o horizonte.
Era uma mulher estressada, tinha toneladas de responsabilidades sobre suas costas, não dava a atenção que queria aos filhos, seu casamento há muito não era mais como ela sempre sonhou, mas naquele momento, só naquele momento, sentia-se mais feliz que nunca, a sensação de liberdade tomava conta de tudo, até sua respiração se dava livre, e o seu pensamento naquele momento era simplesmente uma cor. Ela pensava em azul, e o azul que estava na mente se juntou com o azul do mar que também já se juntara com o azul do céu. E ela ficou ali, por apenas alguns minutos, minutos esses tão intensos quanto uma eternidade.
Era tudo o que precisava para continuar, precisava apenas daqueles minutos para resolver tudo o que tinha que resolver, apenas daqueles minutos para mesmo com a cabeça estourando de dor, organizar um jogo na sala com os filhos e rir muito com eles, só aqueles minutos para ser mais tolerante com o marido e entender que o peso que ele carregava não era menor que o dela e ter esperanças para continuar a ama-lo.
Então ela suspirou leve, deu as costas para o tão azul, pegou seus chinelos e saiu caminhando. Entrou no carro, retomou conciência e foi pra casa se aprontar para mais uma reunião massante do trabalho.

domingo, janeiro 17

Fim

- Oi.
- Oi amor, não esperava por você agora, entra.
  Como foi o dia?
- Foi bom. Na verdade não muito, tenho pensado um pouco em umas coisas.
- Quer dividir?
- Na verdade eu preciso.
- Então me diga.
- Sabe, é tão difícil, dói tanto ter que dizer assim, eu me sinto mal, de verdade.
- O que aconteceu?
- Eu te trai.
- (...)
- Por favor, não chora assim.
- O que você acha que eu deveria fazer Fernando?
- Me bate, briga comigo, só não chora assim na minha frente, eu não mereço.
- Quando?
- Começou a um mês mais ou menos.
- Começou?
- É por isso que eu não mereço que você chore, eu não te trai Marília, eu estou te traindo, eu pensei muito, e eu acho que me apaixonei por ela, me pegou de surpresa e eu não sei como explicar. 
- Porque não me disse antes, porque me fez de boba este tempo todo?
- Eu estava confuso.
- Haaa você estava confuso? Eu achava que você não era tão egoísta assim! 
- Para de chorar.
- Me deixa! 
- Desculpe.
- Então é isso? Tudo isso de uma vez e você me pede desculpas? 
- Eu vou sair da sua vida, não se preocupe.
- Você não sabe o quanto isso dói, você não tem idéia do quanto eu te amo, da forma como eu apostei cada pensamento que eu tinha em você!
- Eu também te amo.
- Cala a boca! Isso é ridículo, não me ama! VOCÊ NÃO ME AMA! 
- Eu sei que não podia.
- Me abraça.
- Me perdoa minha flor. 
- E se eu disser que sim?
- Eu não sei.
- Você a ama?
- Não sei.
- Porque eu não consigo te mandar embora? Porque dói tanto te dizer o que eu deveria dizer?
- Eu vou embora.
- Quem é ela?
- Trabalha comigo.
- Como você pode?
- Eu não sei explicar, eu me sinto mal por você, mas não sei o que fazer.
- Tchau.
- Quer mesmo que eu vá?
- Não, mas você não tem o direito de me perguntar.
- Eu sei, me desculpe, não vou mais te procurar.
- Sai daqui e me deixe chorar sozinha, vai embora e eu quero que você se sinta muito mal por isso, quero que você saiba que está me fazendo sofrer. Logo eu que fiz tudo por você.
- Desculpe; tchau.

sexta-feira, janeiro 15

Fofoca encantada

Estes dias fiquei sabendo que algumas princesas andaram se reunindo para tomar um chá e fofocar os babados dos seus reinos e eu não fui convidada!  
A reuniãozinha foi na casa da Cinderela, aquela mesma do sapatinho de cristal, mas sabe o que eu fiquei sabendo? anda meia indisposta, não consegue andar muito. Dizem que é por que o seu marido, um dos Príncipes Encantados que ninguém sabe o nome é meio que tarado pelo famoso sapatinho de cristal, mas os pés dela cresceram e como ele sempre pede para que ela coloque o tal sapato os pés dela estão cheios de feridas, a coitada fica mesmo sentada, evita andar muito. 
A Branca de neve estava no chá, disseram que ela cresceu muito, para os lados é claro. Está enorme de gorda, também, com essa mania de sair comendo tudo quanto é maçã que vê pela frente! 
Bela Adormecida estava lá também, não que ela seja uma convidada relevante, porque bem, ela tem essa de dormir de repente, inclusive dizem que é por causa desse probleminha que o Principe Encantado dela pediu o divórcio, uma pena. 
A Bela da Fera também foi convidada, dizem que ela foi a mais sortuda, a Fera era mesmo uma coisa que sinceramente "Hôô lá em casa", ela é que tá um pouco acabadinha né, sabe como é, o tempo passa, as primeiras rugas aparecem, as primeiras plásticas também. Pena que nem todos os cirurgiões são lá aquelas coisas, e acabaram por deixar a boca dela meia torta e a somprancelha erguida de mais. Ela fica o tempo todo com cara de quem tá perguntando "Hãn?".
Até a doida da Jasmim e a Ariel que tem aquele monte de escamas foram chamadas acreditam?
Pelo que eu soube, a Jasmim passou por maus pedaços anos passado. Pegou o galinha do Aladim com outra na cama deles! Deu uns tapas na vagabunda e dizem que até hoje ele dorme no sofá.
Já a Pequena Sereia tá na mesma, pequena. Acho que o nome do problema dela é nanismo, não cresceu grandes coisas.
Agora o que mais me irrita é o fato de que como assim ninguém me chamou? Só porque a minha fama não anda lá essas coisas por eu estar dando umas voltinhas na garupa de uns lobos por ai? Mas e dai? São todos meus amigos e eu não estou traindo o movimento, as pessoas mudam! (E dá para perceber só de olhar para elas!)
De qualquer forma, eu também não ligo muito, pelo menos o meu final feliz está bem mais feliz do que o delas! Beijos e me telefonem gatinhos!

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segunda-feira, janeiro 11

Uma chance

Ela sabia que não podia machuca-lo, não tinha esse direito, mas sabia também que era totalmente capaz de fazê-lo.
Se sentia a pior das criaturas por essa constatação, mas pelo menos consigo mesma deveria ser verdadeira, tinha que assumir que desde o começo, desde o momento em que aceitou o pedido de namoro daquele, que antes de qualquer coisa, era seu melhor amigo, sabia que era capaz de abandona-lo a qualquer momento se aquele, que acreditava ser quem realmente amava, lhe desse uma chance. 
Era feio, era cruel, ela ia perder sua amizade mais sólida, mas era capaz de arriscar, tinha que arriscar, porque havia esperado muito por aquele homem, não podia deixa-lo escapar agora que ele havia batido em sua porta. 
Mas vinha o sentimento de culpa, o nojo de si mesma, porque o seu melhor amigo a amava de uma forma tão absoluta que doia de ver o brilho nos olhos dele quando estavam juntos. Ela não queria perde-lo, mas sabia que isso iria acontecer, pois depois que eles terminassem sem a explicação que ela deveria dar, era inevitável que ele descobrisse qual tinha sido o motivo, eles tinham o mesmo circulo de amizades e mais cedo ou mais tarde ele descobriria que foi usado, descobriria que aquela em que depositou o seu amor mais sincero havia o usado para satisfazer as suas carências nojentas e não morrer de amor por outro. 
Ela iria sofrer também, talvez mais do que ele, mas não tinha outro jeito, tinha que se dar aquela chance, precisava daquilo, tinha que tentar ser feliz.

sábado, janeiro 9

Menina senhora

Colocava as contas no colar como se cada uma delas fosse uma felicidade da vida. Sentada na poltrona que fora do avô confeccionava um colar todo de felicidades.
A primeira conta era infância e sorrisos gratuitos. A segunda conta era o primeiro amor, inocência e beijo desajeitado. A terceira era juventude, abraço no mundo, olhos que enxergam horizontes. E assim por diante...
A menina que é senhora de alma sabia de tudo, entendia de mais do que se tratava a vida, e confeccionou o colar de felicidades para dar de presente a um desconhecido qualquer, o diria que aquele colar era um amuleto, ele poderia usar como máscara de camaleão e se misturar a paisagem quando a dor e a tristesa passasem perto.
A menina senhora sabia da felicidade e sabia das tristesas, e mesmo sem muitas vezes tê-las sentido na pele, conhecia tudo a fundo, a menina senhora tinha um dom de sensibilidade.
Queria que todos pudessem sentir as energias do mundo também, queria que todos pudessem ver o quanto tudo tinha cores e formatos tão variados, queria emprestar o seu caleidoscópio que tinha espelhinhos de emoção dentro, mas não era possível.
Então todas as tardes a menina senhora sentava-se na velha poltrona reclinável que fora de seu avô e fazia seus colares de contas encantadas, e enquanto os confeccionava repetia sempre a mesma frase - "Sim, eu acredito".